segunda-feira, 14 de março de 2016

Crise nos hospitais filantrópicos

Continuidade na prestação dos serviços a pacientes do SUS está em risco pelo atraso nos repasses pelo governo do Estado e defasagem na tabela de valores 

A continuidade na prestação de serviços a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) nos hospitais filantrópicos está ameaçada, assim como a redução de procedimentos eletivos. Em Jaguarão isso já aconteceu. Outros municípios da região têm enfrentado dificuldades e se mantido funcionando, mas às custas de salários atrasados, como é o caso de Canguçu, onde os médicos não recebem há quatro meses e ameaçam parar, de acordo com o relato do presidente Luís Ernesto Vargas. Os hospitais filantrópicos da região alegam atravessar uma das mais graves crises financeiras em decorrência do atraso nos repasses de incentivos por parte do governo do Estado e da falta de recomposição dos valores pagos pela União nos procedimentos do SUS. 

A saúde financeira dessas instituições está abalada e a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul já reivindicou ao governo federal a liberação de linha de crédito nos mesmos moldes da agricultura. Uma paralisação no atendimento deve acontecer em data a ser definida, para marcar o protesto dessas casas de saúde. Em princípio seria dia 21, mas foi suspensa e será reagendada. “O momento é crítico e exige total atenção”, ressalta nota da Federação. 

Em Pelotas o quadro não é muito diferente, apesar de não haver atraso nos repasses, devido à municipalização da saúde. “Estamos com dificuldades financeiras igual aos outros 245 hospitais filantrópicos e outros 29 hospitais de confissão religiosa”, comenta o diretor administrativo da Santa Casa de Misericórdia, Fábio Haertel. Na Beneficência Portuguesa a situação também é de fragilidade, segundo o presidente Francisco Serra. Mas, de certa forma, em vista dos demais hospitais da região, considera os de Pelotas menos prejudicados por causa da contratualização. 

Destaca que os valores repassados pelo governo federal vão para os estados e, onde não existe municipalização, fica a cargo do governo estadual fazer a distribuição de acordo com os contratos existentes. “Por isso que os hospitais de Pelotas, embora tenham problemas, não enfrentam a dificuldade de transferência de valores”, diz. A Beneficência atende convênios e particulares, de onde conta com verba para equilibrar os valores repassados pelo SUS, que não cobrem as despesas. O lucro do hospital seria para reinvestir em melhorias, em tecnologia, “para não ficar para trás”, destaca Serra. Porém, tem tido muita dificuldade para se atualizar. 


O Hospital Espírita de Pelotas é um dos mais atingidos, pois do total de atendimentos prestados, 80% são direcionados a pacientes do SUS. A diretora Deli Soares Massaú ressalta que a diária paga pelo SUS é de R$ 49,70, mais o acréscimo que a prefeitura agrega, chega a R$ 55,30, enquanto que a instituição tem um gasto de R$ 135,00 com o paciente ao dia. Por enquanto não é cogitada a redução no atendimento, mas foi necessário diminuir o quadro de funcionários não pertencentes à área técnica. 

Enfatiza que a diária paga pelo SUS é a mesma há 20 anos. “Hoje em dia essa diária é esquizofrênica diante da epidemia de crack e de doenças infectocontagiosas, como tuberculose, que tem aparecido muito”, salienta, ao acrescentar que onera muito os hospitais. O Espírita não trata essas doenças, mas é obrigado a fazer os exames para detectá-las. É uma instituição que está sempre com sua capacidade esgotada e, além da atualização, a direção do hospital entende ser importante a reposição dos valores suspensos. 

Havia um incentivo do Estado, suprimido durante todo o primeiro semestre de 2015. Em agosto voltou a ser pago, porém a título de empréstimo no Banrisul por três meses. Dos outros três meses foram repassados dois, um ficou para trás, relata Deli. “A situação é caótica e há um dano na saúde financeira do hospital. Estamos fazendo empréstimo para pagar os funcionários”, completa. É uma situação muito delicada, que exige muita atenção. Um passo mal planejado, segundo a direção, pode causar um prejuízo ainda maior ao hospital. 

HUSFP pode desativar setores de alto custo 

No Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP) o momento também é de crise, considerando a suspensão do Incentivo de Cofinanciamento da Assistência Hospitalar (Ihosp) pelo Estado e a defasagem dos valores das tabelas do SUS. Os diretores de Assistência, Edevar Rodrigues Machado Júnior, e de Gestão, Valdir Schafer, admitem o risco de interrupção em determinados serviços de alto custo, mas ainda não divulgam quais. “A crise da saúde é ampla e a extensão macrorregional acaba por determinar uma retração na rede assistencial que já atinge pequenas instituições hospitalares da região; deste novo cenário resulta a sobrecarga de hospitais de referência e seus serviços”, frisa. 

Segundo ele, o excesso de demanda desequilibra a relação da capacidade instalada, desdobrando em dificuldades na estruturação das equipes médicas e no preenchimento das vagas de residência médica. “Registre-se que nesse contexto é inviável a manutenção dos compromissos financeiros da instituição, redundando em atrasos de honorários médicos, descumprimento de acordos comerciais e perdas de oportunidades devido à falta de cadastros de adimplência”, diz. Registra ainda o necessário reconhecimento do profissionalismo e do comprometimento do corpo clínico do hospital, que mesmo frente à realidade segue no seu exercício profissional, o que por óbvio não vai se sustentar indefinidamente. 

O risco imediato é do fechamento de alguns setores de alto custo, que passam a ser insolventes frente ao desequilíbrio econômico-financeiro do convênio, à descontinuidade de repasses e aos atrasos sistemáticos de verbas. Os valores chegam a R$ 4 milhões em cortes anuais de repasse ao hospital e são suficientemente figurativos da crise instalada na assistência hospitalar. 

São Lourenço também deve suspender serviços 

Se no Hospital de Caridade de Canguçu os médicos ameaçam paralisar as atividades por não receberem seus salários há quatro meses, na Santa Casa de Caridade de Jaguarão algumas medidas de contenção se fizeram necessárias. Na semana retrasada a direção suspendeu as internações pelo SUS e o atendimento a gestantes de baixo risco. 


Semana passada o Estado depositou R$ 50 mil e a prefeitura repassou R$ 200 mil pelo convênio que tem com a instituição. Os recursos bancaram a folha de janeiro e deram uma sobrevida para a maternidade, viabilizando o retorno do atendimento às parturientes. Mas as novas internações continuam suspensas. 

O presidente e administrador da Santa Casa de São Lourenço do Sul, José Nei Lamas, fala que o atraso no repasse por parte do Estado chega a R$ 1,4 milhão e só para os médicos o hospital deve R$ 700 mil, o correspondente a dois meses de atraso no pagamento salarial. “Se não me mandarem nada este mês vou parar de atender SUS. Só urgência e emergência vou manter”, afirma. 

O presidente do Hospital da Caridade de Canguçu, Luís Ernesto Vargas, diz que talvez com a aprovação da CPMF o governo federal possa fazer algo, sendo essa a informação recebida em Brasília recentemente. 

No Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição, em Piratini, conforme o diretor executivo Laerto Farias, havia uma “gordurinha” que permitiu a manutenção do atendimento e há esperança de o Estado repassar valores. A Casa de Saúde de Pinheiro Machado atende com dificuldade e faz contenções para não reduzir o atendimento, informa o vice-presidente Ronaldo Madruga. 

A Santa Casa de Rio Grande, que enfrentou semana passada uma paralisação das atividades por parte de servidores, contraiu um empréstimo de R$ 10 milhões, a ser pago em 84 vezes, e conseguiu colocar em dia a folha de pagamento dos funcionários, segundo informa a prefeitura, além de pagar fornecedores. Em fevereiro o hospital recebeu R$ 2,3 milhões do governo do Estado e este mês R$ 740 mil. 

Ministério da Saúde fala em reajuste 

O titular da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde, Gabriel Andina, prefere não se manifestar até a reunião desta segunda-feira na Secretaria Estadual de Saúde, com todos os coordenadores regionais, para debater o assunto. Já o Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria de comunicação, informa que a tabela SUS não representa a única forma de custeio dos serviços hospitalares da rede pública e que os valores fora da tabela já respondem por cerca de 40% dos R$ 14,8 bilhões federais destinados aos hospitais filantrópicos, santas casas e demais instituições que atendem pelo SUS de todo o Brasil.  
"Considerando o orçamento hospitalar via Teto MAC (média e alta complexidade), recurso enviado mensalmente pelo Ministério da Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde - a quem compete gerenciar e distribuir a verba para a região -, o crescimento do total em incentivos, além da tabela, foi de 210%, entre 2010 e 2015”, diz a nota. Informa ainda que desde 2007 mais de mil procedimentos da tabela SUS foram reajustados, considerando a necessidade dos serviços e a pactuação com os gestores locais de saúde.

*DP

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